quinta-feira, 8 de maio de 2008

Disciplina versus espírito crítico... Permitam-me discordar

“Não faz sentido dar aulas segundo as materiazinhas tal como vêm ordenadas nos programas, nos manuais e, pior ainda, na mente de alguns professores. (...) Há que cruzar tudo. A experiência com o estudo, o que se aprende aqui com o que se descobre acolá (...) porque o que importa é que eles aprendam a compreender o que os rodeia, descubram, e desenvolvam as suas próprias capacidades de questionar o mundo, de intervir, de saber optar e de saber decidir”

Inovação, vol.6, nº2, 1993


Encontrei esta frase nas minhas deambulações pela net, como introdução a um roteiro de Área de Projecto (ver aqui). Chamou-me à atenção por fazer brotar de mim sentimentos contraditórios. Se bem que concorde com a interacção entre o programa e o quotidiano, entre os programas de cada disciplina, e concorde plenamente com o objectivo de os alunos criarem um espírito crítico que permita questionar o mundo, optar e decidir conscientemente, causou-me um pouco de "comichão" a forma confusa e nada organizada como defende que deve ser o ensino.

Vamos por partes.

Primeiro. A interacção entre as "materiazinhas" de cada disciplina e a realidade do quotidiano e do que nos rodeia, é essencial para facilitar a compreensão dos fenómenos, sejam eles físicos ou sociais, pelos alunos, e ao mesmo tempo, torna, da perspectiva do aluno, as tais "materiazinhas" mais interessantes.

Segundo. No mundo, nada é hermético, tudo interage. Esta é uma máxima segundo a qual a Escola deve-se reger. Não podemos ensinar História, dissociando todos os eventos da humanidade de tudo o resto. História, por exemplo, é uma área onde tudo interage, pois estuda e narra todos os factos sociais, económicos, científicos, intelectuais, políticos, etc... significativos. Este é apenas um exemplo. Poderia falar da transversalidade natural da língua materna, ou até, se bem explorado, da transversalidade da Matemática, também natural. As áreas curriculares disciplinares, não são herméticas, ou não devem ser, devendo interagir, de acordo com a transversalidade de todos os conteúdos.

Terceiro. O espírito crítico deve ser fomentado. E cada vez mais, deveria ser uma prioridade. Numa sociedade avançada, a opinião, o espírito crítico, deveriam ser aceites, enaltecidos e promovidos. Este espírito crítico é o que permite a acção consciente. Quando não existe espírito crítico, as pessoas agem como rebanhos... Contudo, a forma como têm lidado com a Escola, a forma como têm tentado restringir a liberdade dos docentes, e têm tentado compartilhar e tornar os professores numa espécie de robots standart, é sinal de que esse mesmo espírito crítico não é desejado... Aliás, não se antevê actualmente qual o futuro que os governantes educativos querem para as nossas crianças, mas está visto que este futuro não requer nem espírito crítico nem disciplina. O futuro não se antevê brilhante...

Quarto. Disciplina. Uma aula que tenha, e deverá ter, opiniões, argumentações, perguntas pertinentes, a experiência de cada um, e mesmo as resistências, mas que não tenha ordem e disciplina, será apenas um aglomerado incoerente misturado com os conteúdos. O espírito crítico numa aula não se baseia em confusão, mas sim numa confusão organizada. É óbvio que numa aula com determinada planificação, por vezes, o rumo da aula leva-nos a falar de conteúdos já leccionados, por vezes, de conteúdos ainda por leccionar, e ainda, de conteúdos que nem sequer estão no programa. No entanto, todas estas variações têm como objectivo tornar aquela determinada aula mais rica, e o conhecimento dos alunos mais profundo. E obviamente, que as perguntas pertinentes dos alunos são bem vindas, e as suas experiências, e as suas objecções, quanto bem exploradas, serão uma mais valia para a aula. Não há verdades intocáveis e eternas, e é bom que os alunos ponham em causa. É bom que não se acomodem. Cá estamos nós para explicar, para com eles argumentar, para lhes mostrar e demonstrar o conhecimento. Aprenderá muito mais um aluno que primeiro desconfia, do que aquele que aceita sem pensar. Mas, tudo isto tem de se fazer de acordo com uma ordem, com disciplina, com coerência, e de acordo com uma ordenação de temas do programa, que orientará o professor ao longo do ano. Sem disciplina, todo o conhecimento será incoerente, e por fim, vazio, pois não permite a compreensão global e a acção consciente.

4 comentários:

storaPaula disse...

"Há que cruzar tudo". Se isto for feito sem um fio condutor, as tais "materiazinhas" temos uma grande encruzilhada. Eu até gosto dos diminutivos, mas neste contexto, parecem tirar importância aos conteúdos programáticos.

Mas é curioso se consegue defender ideias como estas e ao mesmo tempo limitar tanto a liberdade e a autonomia dos professores. Eu reparei que a frase data de 1993, mas continua actual.

É caso para dizer, "Preso por ter cão e por não ter".
Se ensina a matéria estipulada, não motiva, é avesso à mudança, se inova, não sabe ensinar a matéria.

Pedro disse...

Se antes bastava debitar matéria, agora há que interagir com os alunos e levá-los a descobrir o que lhes queremos ensinar. Não é fácil, mas é possível!!!

visiense disse...

Claro. Tal como disse, e muito bem, não é fácil, exige trabalho e paciência, mas é possível. No entanto, deve haver um equilíbrio entre a disciplina, os conteúdos programados, e a própria liberdade do professor e dos alunos. Uma aula sem algum destes elementos é coxa...

Anónimo disse...

molto intiresno, grazie